MEDICINA HUMANIZADA
- Luís Fernando R. Marques
- 28 de jul. de 2016
- 3 min de leitura
Se você é paciente, deve estar achando que irá perder seu tempo lendo mais uma tentativa de defesa da "classe médica" por um profissional que se sentiu injustiçado. E se você é médico ou estudante, já deve ter ficado com um pouco de preguiça de continuar na leitura desse texto por não aguentar mais o massacre feito pela mídia, batendo sempre na mesma tecla. Posso dizer para ambos: não se preocupem! Esse não é apenas mais um pouco da mesma ladainha de sempre. Seja bem vindo à este blog e desfrute de meu primeiro post com a mesma "Mente Aberta" que procurei ter ao escrever essas linhas que se seguem.

"The Doctor”,1891; Samuel Luke Fildes (1844-1927), Óleo sobre tela, Galeria Tate (Londres)
Em meu primeiro período como estudante de medicina eu me envolvi bastante com atividades relacionadas à melhoria da prática médica. Inclusive o primeiro trabalho que desenvolvi como acadêmico e apresentei em um congresso foi intitulado de "A relação médico-paciente sob um olhar biopsicossocial: reflexo nas estratégias terapêuticas". Àquela altura, minha angústia era como trabalhar melhor a relação médico-paciente e tornar a prática da medicina mais efetiva.
À medida que o curso foi avançando e vivenciei as mais diversas situações, absorvi conhecimentos e experiências e reformulei os conceitos que trazia comigo sobre algo que hoje em dia é incansavelmente repetido na mídia, pelos pacientes, pelos profissionais e também nos corredores das escolas médicas: a prática de uma medicina mais humanizada. Após os 6 (longos e intermináveis) anos de curso, de 1 ano trabalhando como médico do Programa Saúde da Família, preceptor do curso de Medicina da Universidade de Itaúna e plantonista do Pronto Socorro do Hospital Manoel Gonçalves, eu descobri que temos levado essa discussão no sentido errado.

Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto. Foto por Vinícius Nobre.
O que quero dizer é que na maioria das vezes esse discurso é conduzido sobre a ótica de que o profissional médico deveria ser mais humano. Essa concepção traz um conceito ultrapassado e enraizado em nossa sociedade (e mais ainda na mente dos próprios pacientes) de que o médico não é humano, de que ele está acima disso. De que ele é algo a mais, ou que pelo menos se sente, e que precisa ser lembrado de sua humanidade diariamente. Na medicina moderna, assim como na sociedade moderna, não há espaço para profissionais que se enxerguem dessa forma, que se sintam Deuses. Aqueles que de fato pensam assim ainda existem, mas certamente estão fadados ao fracasso.
As mesmas pessoas que pregam a humanização da medicina se esquecem que o médico é um ser humano e que a medicina é a sua profissão.

Quantas vezes eu fui trabalhar com algum problema de saúde e ouvi "Médico também adoece?". Sim, nós adoecemos. Somos seres humanos susceptíveis a erros, ao cansaço de longos plantões sobrecarregados e sem condições adequadas de trabalho, a emoções e à sensação de impotência ao perder um paciente de forma inesperada. Pessoas que possuem suas próprias angústias, suas contas para pagar, seus problemas familiares, suas dores físicas e os seus dias ruins. Profissionais que precisam de intervalos para comer, descansar, tomar água e respirar fundo. As vezes parece que os pacientes se esquecem disso e querem chegar na consulta com um (ou muitos) problema(s) e que nós, como se fôssemos uma máquina, tivéssemos na ponta da língua a solução mais perfeita e inequívoca, num menor tempo possível. Nos exigem uma humanidade no cuidado, mas esquecem de nossa humanidade ao cuidar. Humanidade esta que diante da absurda complexidade da medicina nos permite errar o diagnóstico, esquecer o nome de alguma doença, confundir as várias dosagens de um medicamento, estar de mau humor num dia ruim e não ser tão atencioso quanto o paciente esperava, estar preocupado com algum problema e deixar passar algum detalhe despercebido. Hoje em dia, se acontece qualquer uma dessas situações anteriores, o paciente já se veste em sua "capa da razão" e quer processar o profissional pelo seu erro médico. Sim, eu sei que errar na medicina possui uma gravidade muito maior do que na maioria das outras profissões, mas não é esse o ponto.
No entanto, essa mesma humanidade que nos torna tão frágeis como qualquer outra pessoa é o que nos possibilita enxergar o doente por trás da doença. Eis então um paradigma! Como podemos criar uma prática em que a doença e o doente sejam pontos igualmente importantes? Está aí um desafio para o dia-a-dia de ser um médico. Talvez o primeiro passo seja considerar que para que a prática médica seja mais humanizada é preciso que o médico seja lembrado como humano.
Comments