MORRER É MAIS SOBRE VIVER DO QUE VOCÊ IMAGINA!
- Luís Fernando Resende Marques
- 27 de set. de 2016
- 4 min de leitura
Dia frio, nublado, as vezes chovendo um pouco. Música triste. Pessoas de preto, chorando por aquele ente querido que se foi. Na cozinha um garrafão de café e um tabuleiro com alguns biscoitos murchos, que ficaram ali a noite toda. Chegam algumas coroas de flores, daquelas com o cheiro característico, sem muita cor, com alguma mensagem escrita na faixa. Ali no centro um caixão luxuoso, acolchoado, com alças douradas, como se isso fizesse alguma diferença. Dentro dele uma pessoa estendida, cercada por flores também sem graça, maquiado na tentativa de disfarçar a apatia de sua expressão.

Eis o cenário tradicional de um funeral ocidental. Culturalmente lidamos com a morte de uma forma dramática. Em nosso país é quase que protocolo enterrar o corpo da pessoa nas primeiras 24h após o óbito e para isso a família se desdobra para correr atrás dos preparativos e da documentação necessária para a liberação do corpo. As vezes a pressa é tanta que familiares que moram distante não conseguem chegar a tempo para a despedida. Despedida esta que normalmente acaba por acontecer de uma forma bastante dramática. Obviamente isso não é uma verdade absoluta e inclusive várias outras culturas lidam com a morte de uma forma bem diferente, mas nesse post de hoje eu apenas quero lhe mostrar que é possível melhorar sua relação com o tema morte a partir da visão que você tem sobre a vida.

Como já comentei em posts anteriores, carregamos conosco crenças que nos são passadas por nossos pais, amigos e pela própria sociedade na qual estamos inseridos. Uma crença muito comum e fortemente presente em nosso meio é a "culpa". A culpa que nos assombra quando o cônjuge se despede de nós e nos privamos de continuar vivendo; a culpa do pai que perdeu um filho e que não consegue aceitar que um jovem falecera antes dele. Por favor, não me compreenda errado. Não estou dizendo que não exista sofrimento nessas situações hipotéticas que citei, nem nas outras várias situações que envolvam a morte de alguém, mas prefiro lidar com esse assunto de uma forma diferente.
Vamos mergulhar um pouco mais fundo nisso. Na medicina, quando falamos no final da vida estamos nos referindo a um resultado que fazemos de tudo para evitar que se torne realidade. Mas até que ponto fazemos isso pelo próprio paciente? Em que ponto deixa de ser uma tentativa de fazer algo pelo próprio paciente e se torna uma atitude egoísta de não querer perder a batalha contra o homem da capa preta com a foice na mão? Até que ponto não se trata do egoísmo da própria família em não querer deixar seu ente querido ir embora e estamos nós, médicos e familiares, brigando com a nossa própria culpa de que poderíamos ter feito algo a mais?

Lidar com esse assunto passa por uma discussão na qual as pessoas em geral acham que médicos são pessoas frias e que ao longo do tempo se acostumam com perder pacientes. Me diga uma coisa: como se acostumar a ver pessoas morrendo em decorrência de acidentes que poderiam ser evitados, por doenças que poderiam ter sido prevenidas ou controladas, por situações que seriam diferentes se o hospital tivesse um pouco mais de estrutura? Não, acostumar não é a expressão certa! Talvez aceitar seja mais adequada. Aceitar que essa vida é apenas uma parte do todo, passageira. Aceitar que algumas situações são irreversíveis e que, independente de todos os esforços, é preciso permitir que a pessoa doente faça essa passagem para se livrar de tanto sofrimento. Nesse ponto pode surgir o debate sobre eutanásia, que consiste em tomar medidas para abreviar a vida do paciente e poupá-lo do sofrimento. Hoje a opinião que tenho a respeito desse assunto é contrária à sua permissão, mas completamente a favor da ortotanásia. Esta prática faz referência a tomar todas as medidas possíveis para dar conforto ao paciente em seus momentos finais, sem prolongar a vida dele a partir de medidas terapêuticas agressivas e que não possuam resultados palpáveis, algo que tem muita relação com os cuidados paliativos, prática que tem crescido cada vez mais junto com o incremento das doenças crônico-degenerativas.
Bom, vamos voltar então ao assunto do título. Morrer é mais sobre viver do que você imagina! Para falar a respeito disso, vou fazer referência ao filme P.S. Eu te amo, com alguns spoilers (peço desculpas! rs). Esse filme traz dois pontos que acho muito relevantes: a nobre atitude do homem que, ao saber da proximidade de sua morte, preparou toda uma estratégia para que sua esposa pudesse superar a sua perda e voltasse a ser feliz; e o funeral, organizado com música boa, uma foto bacana do falecido (no lugar daquela imagem dramática do corpo apático no caixão) e memórias boas que as pessoas viveram ao seu lado (além de uns virotes! hehe). Convenhamos que isso é uma forma muito mais bacana de se despedir de alguém, mas para que isso seja possível é necessário que em vida você viva intensamente! Que viaje, que viva histórias bacanas para serem lembradas, que escute músicas boas para serem tocadas, que conheça pessoas incríveis que te acrescentem e te façam ainda mais feliz! Tudo isso para que quando chegue a hora de ir, o que nós nunca sabemos quando vai ser, você vá em paz, que as pessoas não sintam culpa e que possam fazer por você uma despedida digna de tudo que você representou na vida delas.
Putz! Chegamos ao fim desse post complexo e hoje eu escrevi sobre um monte de coisa junto. Se você chegou até aqui, mas não conseguiu absorver muita coisa, só curte a onda dessa foto aqui abaixo, dê um sorriso e vai ser feliz! Rs.

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